Crepúsculo sem vampiros brilhantes
“Entraremos numa dimensão não só de imagem e som, mas da mente. Sua fronteira ultrapassa a imaginação. Um cartaz diz: Próxima Parada: Zona do Crepúsculo.”
Quando eu andava sortudo, tive o prazer de receber das mãos do Octávio Aragão, o pai da Intempol, um presentinho esperado com ansiedade: o livro Galeria do Sobrenatural, uma coletânea para lá de especial publicada pela editora Terracota em 2009. Logo na apresentação, ficamos sabendo que a seleção de contos organizada por Silvio Alexandre é uma homenagem ao seriado Além da Imaginação, criado por Rod Serling, do qual – e eu lamento dizer aqui – não me lembro de um único episódio sequer.
Partindo desse princípio, é de se imaginar que todas as histórias sigam o climão da série, aquela coisa do estranho misturado ao cotidiano, do sobrenatural, do bizarro, certo?
Certíssimo.
(Eu acho: lembre-se do que eu disse cinco ou seis linhas acima).
O livro conta com uma série de autores gabaritados, que em nenhum momento abandonam seu próprio estilo a fim de se ajustar à proposta da antologia. Com isso, conseguem manter um espírito que não faz feio ao seriado e ao mesmo tempo estabelece uma identidade própria. Isso não é algo fácil de se conseguir.
Participam do livro nomes como Andréa Del Fuego, com o conto introdutório pós-apocalíptico metalingüístico Blade Zone. A seguir, aos moldes de Moacyr Scliar, temos Braulio Tavares contando depressa a história com jeitão de interior d’O homem que perdeu seu reflexo. Claudio Brites vem com Só um acontecido, bem mais insólito que o título faz parecer. Claudio Villa, com A cápsula, fala sobre uma civilização que descobre os restos de outra. Danny Marks, em Limites, conta (ou não) o que aconteceu com o Dr. Rose. Um dos gurus da FCB, Fábio Fernandes, trata de questões raciais (é, eu sei, raças não existem dentro da família humana) de forma interessante em O Haiti é aqui. Uma das damas que compõem a trindade das autoras vampíricas brazucas, temos Giulia Moon com No céu, um bater de asas. Vi a Giulia na Bienal do Livro do Riocentro, mas fiquei com vergonha de falar com ela. Timidez é foda. O demônio está chamando é o título do texto de Jana Lauxen, sobre uma ligação do você-sabe-quem para um sujeito comum. Lúcio sempre-excelente Manfredi, senhor de uma prosa toda própria, ataca com Valtenice olhou no espelho e mostra o porquê daquelas duas palavrinhas que coloquei entre seus dois nomes. O português Luís Filipe Silva, um dos autores de Terrarium (que alguma editora daqui podia publicar), escreveu uma impressionante história sobre o último homem da Terra em Dormindo com o inimigo – e nem precisou ter a Julia Roberts. Um dos melhores contos do livro, na minha opinião de mero leitor sem pretensão a crítico. Já Márcia Olivieri nos brinda com uma FC que fala de um certo Projeto Metagênese no conto O último crepúsculo. Bem na linha Twilight Zone,Mario Carneiro Jr. descreve Um estranho incidente noturno. Max Mallmannmistura freiras, seqüestradores e nomes gregos em Hábito noturno. Miguel Carqueija, em A ponte, faz Priscilla (morena e magra) pensar em mundos paralelos. E eis que chega o conto do Octávio, Armageddon em Madureira, para o qual ele me criou uma ilustração toda original em forma de autógrafo. Ou seria o contrário? Regina Drummond, no conto Herança, fala sobre as 39 plantas da tia Adélia que ficaram para sua sobrinha. Em Apenas sonhos, Shirley Souzaquestiona a natureza da realidade e... dos sonhos. A última valsa, conto curtinho deTatiana Alves, fala sobre um sujeito que encontra um estranho navio, ou foi encontrado por ele. Fechando a coletânea temos um conto/HQ escrito por Braulio Tavares e ilustrada por Cavani Rosas: malassombrado, sobre medo de morcegos e muita imaginação. Pena que é pequenino-nino-nino.
Um livro curto (acabei no mesmo dia), atraente tanto no aspecto físico quanto no recheio. Não sou crítico, nem tenho nenhuma ferramenta para julgar os méritos ou os defeitos de um livro que não se baseie puramente no meu gosto como leitor e minha curta experiência de enfileirador de frases. Mas posso dizer, sem medo de errar, que Galeria do Sobrenatural está entre os melhores trabalhos nacionais aos quais tive acesso ano passado, e não peca pela irregularidade.
Recomendadíssimo.
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